
DAS ORIGENS DA GINJEIRA
AOS REMÉDIOS E LICORES DO SEU FRUTO
A história da origem da ginjeira (prunus cerasus) é longa e antigA
A designação latina (cerasus) deve-se ao facto de a origem da ginjeira ter sido em Cerasunte, localidade situada a nordeste da Turquia, Ásia Menor, curiosamente na região onde, há 9.500 anos, o Homem começou uma das suas maiores revoluções – a AGRICULTURA. Foi desta região que o general romano, Lúculo, (109-57 a.C.) trouxe para Roma as primeiras ginjeiras (prunus cerasus).
O general romano que começou tudo
Lúculo, general e fitólogo romano, tinha a paixão de colecionar novas variedades botânicas. Na sua última batalha, na Ásia Menor, na qual venceu Mitrídates (rei do Ponto), o maior inimigo de Roma, regressa, vitorioso, trazendo consigo pequenas ginjeiras de Cerasunte que replantou na sua “Horti Luculiani”.
Os médicos romanos ao conhecerem as investigações dos seus antecessores gregos, recomendam o fruto ginja como um importante complemento alimentar, digestivo e diurético. Foi este o motivo da propagação da ginjeira por toda a Europa.
A existência de ginjeiras na Antiga Grécia, 300 anos antes, de acordo com as conclusões dos investigadores, ficou a dever-se a sementes (caroços) nos excrementos de aves migratórias e à observação, atenta, dos médicos gregos.
Lúculo (109-57 a.C.)
Horti Luculiani
“As ginjas da Lusitânia são superiores às da Gália”
Plínio na sua importantíssima obra, “NATURALIS HISTORIAE”, referenciou mais de 100 autores da “Antiguidade Clássica”, recolhendo milhares de informações importantes que originaram, o designado “Inventário do Mundo”.
No XII volume, dedicado à botânica, Plínio informa que a Itália passou a ter ginjas e cerejas depois da vitória de Lúculo sobre Mitrídates na Ásia Menor, (74 d.C.).
Plínio, segundo a “Etnografia Portuguesa” de J. L. de Vasconcelos, andou por Óbidos e louvou as ginjas afirmando que: “as ginjas da Lusitânia são superiores às da Gália”.
Plínio (23-79 d.C.)
As ginjeiras chegam aos quintais de Eburobrittium
Plínio deu-nos a conhecer, também, a existência de uma cidade com um porto marítimo, denominada EBUROBRITTIUM, edificada no sopé da vila de Óbidos. Foi uma grande metrópole da província da Lusitânia, cuja localização permaneceu misteriosa durante séculos, até à sua recente descoberta, com a construção da auto-estrada A8.
Este achado arqueológico é, quanto a nós, da maior importância, pelas suas magnificas ruínas e informação geográfica sobre a lagoa de Óbidos, como um braço de mar. Por último, também, por ter sido o “berço” das ginjeiras desta região, condicionada, favoravelmente, pelo “corredor” de massas de ar húmido, entre as serras dos Candeeiros e Montejunto com o Atlântico e solos argilosos e calcários.
A ginja: um tesouro na Medicina da Antiguidade
As propriedades medicinais do fruto ginja remontam à civilização da Mesopotâmia e Antigo Egito. Interessam-nos factos escritos mais recentes, embora com milhares de anos.
O médico grego Diphilus de Sifnos (séc. III a C.) , médico de Alexandre Magno, desenvolveu a “farmacopeia” com inúmeras terapias: cicatrizantes, analgésicas, digestivas, diuréticas e muitas outras que se ficaram a conhecer, um século depois (séc. II a.C.), devido à tradução dos seus escritos para latim, por Ateneu de Náucratis na sua obra “Banquete dos Eruditos” (Deipnosophistae).
As ginjas já são, na altura, referidas nas terapias digestivas e diuréticas.
Propriedades nutricionais e medicinais do Fruto Ginja
As referências escritas às propriedades farmacológicas do fruto ginja na Antiguidade Clássica, mais não foi que a abertura de uma pequena “janela” aos interesses das recentes investigações científicas. Os componentes químicos do fruto ginja, muitos e diversificados, são a causa das inúmeras propriedades nutricionais e medicinais, bem como, de certa forma, a causa dos componentes sensoriais que o seu licor, genuíno, nos oferece. Desde o aparecimento da ginjeira (prunus cerasus), hoje denominada “cultivar galega”, e do seu fruto ginja – de grande valor nutricional e medicinal – até à produção do seu licor, ainda foram necessários muitos séculos e novas invenções. Destacamos duas matérias primas indispensáveis: o álcool e o açúcar.
O Alquimista, pintura setecentista de David Teniers the Young (álcool)
As grandes navegações e descobrimentos do Infante D. Henrique (açúcar)
A queda do Império Romano e o fim do desenvolvimento
A queda do Império Romano no Ocidente, deu lugar aos reinos bárbaros e à longa Idade Média, envolvida num obscurantismo religioso, económico e social que pôs termo a todas inovações. Durante esse longo período, os costumes e tradições herdados da cultura greco-latina deram lugar à prevalência do pensamento centrado na fé. O teocentrismo sobrepôs-se ao antropocentrismo. A cultura “greco-romana” e, entre muitas ciências, os remédios (xaropes) dos médicos gregos e licores (elixires afrodisíacos) dos alquimistas da Antiguidade Clássica ficaram, por muitos séculos, no profundo isolamento e no silêncio das “boticas” graníticas e escuras dos mosteiros e abadias.
Licores emergem com mais “espírito” (aguardente) nos xaropes medicinais
Monges e abades boticários medievais, de ordens religiosas endinheiradas, nomeadamente italianas, que possuíam os caríssimos açúcares, começaram a macerar frutos, plantas e raízes, em aguardentes e açúcar, para fins medicinais. Alguns destes boticários, sem conhecimentos científicos, mas para o seu belo prazer, aumentavam a quantidade de aguardente aos xaropes. O efeito destes “elixires” (alcoolémia) era interpretado, como “espírito”. É com este acontecimento que emergem, de forma muito rudimentar, os primeiros licores e a denominação, até aos nossos dias, de “bebidas espirituosas”.
Com o Renascimento os licores tornam-se laicos e nobres
Florença, no séc. XIV, transforma-se num centro comercial e cultural da Europa. Com as rotas comerciais, recebe influências de novas culturas orientais, ao nível das artes, filosofia e ciência, e, ainda, com as influências dos filósofos iluministas, esta síntese, do simples ao complexo, surge uma “revolução”, denominada “RENASCIMENTO “. Foi o renascer da Antiguidade Clássica (greco-romana). O brilhante florescimento cultural e científico renascentista originou sentimentos de otimismo, despertando no Homem, o interesse pelo “NOVO”, incentivando o espírito de pesquisa e experiência. É com a racionalidade individual que a pesquisa acontece, desenvolvendo o Homem e tudo que o envolve. Com a renascença, os licores, rudimentares e com “espírito”, romperam os fortes e graníticos mosteiros das ordens religiosas e laicizaram-se evoluindo, com a nobreza endinheirada.